quinta-feira, 9 de junho de 2011

Porque quem ama...luta até ao fim!

"Passou quatro dias miseravelmente triste.Tentou esquecer de todas as maneiras.
Andou, dançou, gritou, chorou, correu.
Ficou em silêncio. Muito silêncio.
Isolou-se do mundo e permitiu-se apenas recordar.
E chorar. Chorou muito!
O estômago queimava nas chamas do inferno das lembranças.
A cabeça e o corpo estavam sedados...
Perdeu o apetite, só a provocação forte do chocolate o seduzia para melhorar o fel da boca.
Perdeu o sono, perdeu a vontade, perdeu a esperança.
Desacreditou da humanidade.
Desacreditou de tudo o que aprendera.
Perdeu sua fé, perdeu o rumo.
Perdeu o seu amor e sentia-se no chão.
Não, sentia-se ainda pior. Sentia-se na lama.
Não! Pior ainda.
No esgoto. Boiando com os outros dejetos sujos, fétidos, empoeirados, toscos.
Bichos do lixo! Baratas! Entrem nos sapatos do cidadão civilizado.
Maldita civilização. Maldita distância. Maldita cultura. Maldita razão.
Maldita inteligência, compreensão, sabedoria.
Ele só queria a emoção! Queria ser só coração, apenas arder no fogo dos seus lábios.
Sentir-se desvanecer no aperto do seu abraço.
Ah ... essa relação de amor e guerra que os latinos tão bem compreendem.
O fogo que abrasa todo o corpo e tira a calma.
O corpo, a mente, a alma, tudo profundamente envolvido.
Tudo misturado, tão perto, tão presente,agora, tudo tão distante. Mierda!
- Esqueça! Diziam os amigos.
Perguntava-se por que os amigos agem sempre assim quando há uma separação?
Por que todo mundo manda esquecer e seguir em frente?
Malditos conselhos! Malditas vozes que se imaginam sempre sábias...
Quem sentia a sua dor?
Quem cuidava de sua ferida aberta sangrando e que nunca cicatrizava?
Nem remédios, nem bebida, nem ervas, nenhuma erva.
Nem fumaça, nem cachaça, nada nada nada. Nenhum ungüento.
Não há remédio para a dor do amor.
Malditas pessoas acomodadas com os finais.
Ele simplesmente não conseguia racionalizar dessa maneira.
As juras de amor, os momentos infinitos de trocas, crescimento e promessas.
Aquele jardim em que passeavam de mãos dadas.A meditação que praticavam juntos. O mar... O vento...
O cinema onde assistiram tantos vídeos alegres, românticos, apaixonados.
O quarto onde alegres e apaixonados cediam aos prazeres da carne...
Começou a dançar sozinho a tal da dança que ela inventara.
Lágrimas vieram aos seus olhos.
Enxergava o seu corpo branco, seus cabelos pretos, sua testa franzida e a cabeça sempre cheia de pensamentos e preocupações. Hombre amado.
Quantas vezes aplacara suas dúvidas?
Quantas vezes a música dela o estimulara?
Sou tua, não vês? ?
O ritmo de suas mixagens ecoavam ainda no seu ouvido.
Todas as cenas das brigas, dos momentos de celebração, o amor que os arrebatara...
Tudo misturado, tudo a um só tempo girando, girando, girando...
Foi ao chão.
O desmaio, o colapso dos sentidos...
Ah, o amor !
Uma bênção e uma maldição.
O ar que alimentava e que faltava agora, fazendo-o sufocar.
Ah, o amor...
Amor que fazia todos seus sentidos realçarem. Sua pele arrepiar apenas ao pensar nele... Seu coração disparar quando sentia que ele se aproximava...
Ah, o amor.
Mil vezes estar no fogo cruzado da guerra, estar com o coração rasgado e exposto ao céu, ser mordida por uma matilha inteira de lobos famintos...
Mil mortes, mil dores, tudo é menos dolorido que a dor do amor.
Acordou atordoada no chão frio.
Olhou para o céu.
Cinza.
Uma tempestade começava a cair.Trovões. Relâmpagos.
!
O céu também chorava.
Deixou-se ficar assim, na terra.
Deixou-se lavar o corpo. Esfriar a cabeça cansada.Limpar o sangue da ferida.
Deixou que os pingos atingissem sua alma.
O ritmo.
O mantra da terra.
Bebeu a água da chuva.
Respirou.
Contrastes maravilhosos da natureza. Nossa mãe terra.
Quanto mais gélido seu corpo ficava, mais seu sangue esquentava.
Levantou-se freneticamente.
Como louco e alucinado, profundamente imerso em sua meditação, começou a dançar, a dançar, a dançar...
Seu corpo girava...uma fênix em louca transformação.
Lembrou-se de Brecht : “Hay hombres que luchan un día y son buenos; hay otros que luchan un año y son mejores; hay otros que luchan muchos años y son muy buenos. Pero están los que luchan toda la vida y esos son imprescindible.”
Parou a dança.
Um flash, uma luz, uma esperança.
Sentia-se livre.
Livre para lutar!
Porque quem ama luta até o fim! "

terça-feira, 24 de maio de 2011

O amor desmetaforizado

"Não tem olhos solares meu amor;
Mais rubro que seus lábios é o coral;
Se neve é branca, é escura a sua cor;
E a cabeleira ao arame é igual.

Vermelha e branca é a rosa adamascada
Mas tal rosa sua face não iguala;
E há fragrância bem mais delicada
Do que a do ar que minha amante exala.

Muito gosto de ouvi-la, mesmo quando
Na música há melhor diapasão;
Nunca vi uma deusa deslisando
Mas minha amada caminha no chão.

Mas juro que esse amor me é mais caro
Que qualquer outra à qual eu a comparo."

Shakspeare

sábado, 2 de abril de 2011

Esta vida não vivi

"Será que na vida não vive
Quem na vida já viveu,
Ou será que terá vida
Quem nesta vida sofreu
Eu que morri e que vivo
Dentro do mundo que passou
Nos versos que não morrerão
Após rasgar a vida
Irão lembrar quem chorou
E esta vida não viveu!"

Rogério Martins Simões

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O verdadeiro amor

"O verdadeiro amor. É normal, é sério, é práctico?
O que é que o mundo ganha com duas pessoas que vivem num mundo delas próprias?
Colocadas no mesmo pedestal, sem mérito nenhum, extraídas ao acaso entre milhões, mas convencidas que era assim que tinha de ser - em prémio de quê? De nada.
A luz desce de qualquer lado.
Porquê nestas duas e não noutras?
Não é isto uma injustiça? É sim.
Não é contra os princípios estabelecidos com diligência e derruba a moral no seu cume? Sim, as duas coisas.
Olha para este casal feliz.
Não podiam ao menos tentar esconder-se, fingindo um pouco de melancolia, por cortesia com os seus amigos?
Ouçam como riem - é um insulto a linguagem que usam - ilusoriamente clara.
E aquelas pequenas celebrações, rituais, as mútuas rotinas elaboradas - parece mesmo um acordo feito nas costas da humanidade.
É difícil prever a que ponto as coisas chegariam se as pessoas começassem a seguir o seu exemplo.
O que aconteceria à religião e à poesia?
O que seria recordado? Ou renunciado?
Quem quereria ficar dentro dos limites?
O verdadeiro amor. É mesmo necessário?
O tacto e o silêncio aconselham-nos a passar por cima dele em silêncio, como sobre um escândalo na alta roda da vida.
Crianças absolutamente maravilhosas nasceram sem a sua ajuda.
E ele chega tão raramente que nem num milhão de anos conseguiriam povoar o planeta.
Deixem que as pessoas que nunca encontraram o verdadeiro amor continuem a dizer que tal coisa não existe.
Com essa fé será mais fácil para elas viver e morrer."

(Wislawa Szymborska)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Alguns gostam de poesia

"Alguns —
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve
e os próprios poetas,
serão talvez dois em mil.

Gostam —
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,
gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.

De poesia —
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial."


Wislawa Szymborska

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Como te amo? Vou contar as formas...

Como te amo?
Vou contar as formas...
Amo-te até à profundidade, largura e altura que minh'alma pode alcançar...
Amo-te pelo objetivo de existir e da graça divina...
Amo-te ao nível da necessidade mais silenciosa de cada dia,
ao sol e à luz da vela.
Amo-te livremente, como os homens lutam pelo direito,
Amo-te puramente, como eles se afastam do elogio,
Amo-te com a paixão existente nas minhas velhas mágoas e com a fé da minha infância.
Amo-te com um amor que eu parecia ter perdido com quem já partiu,
Amo-te com a respiração, sorriso e lágrimas de toda a minha vida...
E...
...se Deus quiser, amar-te-ei ainda mais depois de morrer!

Elizabeth Barrett Browning

domingo, 5 de dezembro de 2010

Quarto Suicida

Vocês devem achar, sem dúvida, que o quarto esteve vazio.
Mas lá havia três cadeiras de encosto firmes.
Uma boa lâmpada para afastar a escuridão.
Uma mesa, sobre a mesa uma carteira, jornais.
Buda sereno, Jesus doloroso,
sete elefantes para boa sorte, e na gaveta - um caderno.
Vocês acham que nele não estavam nossos endereços?

Acham que faltavam livros, quadros ou discos?
Mas da parede sorria Saskia com sua flor cordial,
Alegria, a faísca dos deuses,
a corneta consolatória nas mãos negras.
Na estante, Ulisses repousando
depois dos esforços do Canto Cinco.
Os moralistas,
seus nomes em letras douradas
nas lindas lombadas de couro.
Os políticos ao lado, muito rectos.

E não era sem saída este quarto,
aos menos pela porta,
nem sem vista, ao menos pela janela.
Binóculos de longo alcance no parapeito.
Uma mosca zumbindo - ou seja, ainda viva.

Acham então que talvez uma carta explicava algo.
Mas se eu disser que não havia carta nenhuma -
éramos tantos, os amigos, e todos coubemos
dentro de um envelope vazio encostado num copo."

Wislawa Szymborska